Minha vó Lela tinha gosto de bolo de fubá. Tinha cheiro de alho frito, de terra molhada depois da chuva, de areia de parque de criança, de roupa passada e engomada, de sabao de côco, de rosa de jardim, de flor de jasmin.
A casa da vó Lela era grande: tinha quintal, jardim na frente com rosas e "beijinhos", terraço e "jardim de inverno"(um terraço coberto com janelas de vidro para os dias frios). De manha a gente ía pro clube, jogar tênis. Depois, íamos comprar coisas gostosas na padaria para o segundo café da manha, que tinha direito a barquinhos de pao com manteiga e uma migalha grande no meio, que era a vela.
"Mira mi barquito, tan lindo y tan chiquito", ela cantava numa mistura de castelhano com argentino e português. Depois do café eu ajudava ela com o almoço, ou ficava brincando no quintal. Depois do almoço a gente jogava buraco. Sempre apostando dinheiro, ela dizia: "Nao jogo a leite de pato". Quando chegava a hora do café da tarde, sempre tinha quele bolo de fubá com café com leite. Uma delícia.
A noite, minha mae vinha me buscar. Eu passava o dia pensando no que eu ía falar pra minha mae pra poder dormir na casa da vó Lela. No final nao dizia nada, chorava. Meus pais sempre acabavam cedendo, com cara feia, mas eu sempre conseguia meu objetivo: dormir na casa da vó Lela.
Minha vó Lela jogava tênis, cozinhava e dirigia. Com 80. Era linda, sorridente, cozinhava assobiando. Passou poucas e boas na vida. Ela me dizia: "Comecei a viver de verdade depois dos 40". A vó Lela nao conseguia ficar parada: fazia esporte, cuidava do jardim, lavava o quintal.
Até que um dia se sentiu muito cansada. O médico falou: "A senhora acha que é a mulher maravilha?" Aquele dia ela lembrou muito da mae do médico, se é que vocês me entendem...A vó Lela falava palavrao!! Em espanhol, em português e em italiano...A vó Lela era osso duro de roer.
Quando ela sentiu que foi chegando a hora, quase aos 90, resolveu contar coisas do passado. Estava lúcida e resolveu falar tudo. A vovó queria deixar tudo resolvido antes de ir embora.
Eu só queria ter me despedido. Mas nao deu, estava muito longe. O que ficou foi a saudade que dói sempre. E mais ainda quando sinto cheiro de bolo de fubá.
16 comentários:
Pronto, rebentou as águas logo de manhã. Desgraça...
Muito bonito Lu.
drics
A vovó Lela assobiava tão lindo que os passarinhos ficavam na cozinha com ela. Depois, ela jogava pão no telhado e eles ficavam lá, cantando e fazendo seus ninhos - e eu sei que eles estavam lá só por causa dela.
Lela, plantei um Jasmim no meu quintal, só para sentir aquele cheirinho e me lembrar de você. Agora ele está todo florido. E os passarinhos estão na minha cozinha também...
Um dia eu estava nesse quintal e cantarolava sozinho. Ouvi a voz da Vó perguntando à Lu: ele tá "cantandinho"?
Lulets, você me emocionou.
Mais do que nenhuma outra pessoa, acho que você traz é a Vó no peito e na sua personalidade.
Sou feliz de ter conhecido a Vó Lela.
Mil besos,
Fê
Luuuuuu....
A tua vó Lela deve estar tão feliz! E mais importante do que a despedida, foram os momentos passados juntos.
Parabéns pelo belo post,
Lu
Lu,
Cheguei em casa as 11 horas da noite num mal humor desgraçado, com o coração peludo, sem sentimentos, só o de raiva de ter que estar lá no trabalho as 7 da manhã de novo...fui dar a olhadinha básica nos blogs pra ter notícia das amigas.
Pronto, vou só começar a ler e a emoçõa tomar conta!
Primeiro amiga porque eu também tive uma vó Lela!!!! e achava que Vó Lela era marca registrada da minha, porque o quintal dela tb era lindo e cheio de plantas que ela cuidava com carinho, porque ela fazia bolinho de chuva e falava em italiano e pq amiga vc fez uma linda declaração de amor!
Viva as Vós Lela :)
arrebentou...emocionante!!!
Leonardo Gragnano Morales
leonardo.morales@unibanco.com.br
oi lu, que texto lindo!
eu que também tive uma vó incrível e que também sinto apertos de saudade me identifiquei na hora.
além disso, me lembro de ter ido uma ou duas vezes na casa da tua vó lela e me lembro de um clima gostoso de casa de vó que tinha lá.
um beijo, tatiana
Um lindo texto, uma linda homenagem para uma linda vovó. Que lição de vida! Muita saudades!
muito lindo isso.
não me fez só lembrar da sua vó, toda fofa e vovózinha e fantástica como ela era quando eu a conheci, mas me fez lembrar da minha, e de como eu vou lembrar dela quando ela se for... assim, desse jeitinho, como vc fala da sua,
e eu sou mto mulherzinha, pq ja to chorando aqui.
um beijo!
Lu, lindo o post. Você sabe que também sou fã das vovozinhas que cheiram a bolo de fubá mas não teria encontrado paralavras mais exatas que as suas para descrever o que sinto pelas minhas vovuxas. Lindo Lu. Beijocas
Hola, mi opinión es que vovó Lela está todavía viva y volvió a sus orígenes españoles. Ahora se llama Luciana Morales Fernández-Gragnano, sigue siendo un hueso duro de roer y tampoco se para ni un momento. Sigue sintiendo un amor muy profundo por los suyos. Esta tarde la veré en mi casa donde nos pasaremos un buen rato, ironizando sobre nuestras rutinas. Al final del día, disfrutaré de su compañía frente a la TV, y de sus críticas a los personajes que por allí se exhiben hasta que el sueño nos anestesie. Si queréis le doy un beso de vuestra parte. Caye
Diante de uma cronica maravilhosa, verdadeira, nao fantasiosa, de uma vida inteira de amor, sensibilidade, carinho. Assim chamaria o que senti transbordar em meu coracao quando li este texto. Parabens, futura escritora sucessora de uma Mamma que apenas pretende se-lo... Te quiero muchissimo. I love you.... (Beatles, the song PS. I Love You) Mamma Luiza
Lu, segue comment da mamae , li para ela o post da lela e ela pediu para publicar, bjs Lila
Oi! Passei por aqui para visitá-la e gostei muito, voltarei! Engraçado isso da memória afetiva estar sempre atrelada a cheiros, sons, gostos... Por coincidência, não faz muito tempo escrevi sobre meu avô, e essa memória sensorial veio direto na cabeça.
Besitos, Bianca
Saudade..é a certeza q o passado foi bom!
Puuuuuuuta ..coomo eu sinto saudades da vó Luu!
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É, Lú, ter sido neta da Vovó Lela realmente foi um privilégio. Quando fui morar com ela que pude perceber o quanto ela sabia ser feliz e sabia ser feliz com coisas simples, como ir na Fani, jogar migalhas para os passarinhos, dar comida paras as tartarugas, assistir ao Silvio Santos, jogar dama e buraco com os netos...Num mundo como o de hoje as pessoas não dão valor a essas coisas e por isso não sabem ser felizes. Nós que tivemos a oportunidade de crescer com a Lela por perto devemos parar e pensar em sempre ser mais como ela. Penso nela quase todos os dias e isso me faz muito feliz. Meu pai achou um breviário de milgres escrito por ela no ano de 1986, onde ela pede e agradece suas graças, diariamente, e nós, todos os netos estamos nos pedidos de proteção da nossa querida avó. É isso, tivemos uma avó maravilhosa que pra sempre estará em nossos pensamentos e em nossos corações
Olá!
Desculpe a invasão, mas sem querer entrei na no seu blog e li seu texto. Parabéns. Muito lindo...
Fiquei emocionado com suas palavras.
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